sexta-feira, 1 de abril de 2022

Lícia Manzo reflete sobre 'Um Lugar ao Sol'

 

Reflexão e dever cumprido

No último dia, 25, foi ao ar o último capítulo de "Um Lugar ao Sol", trama de Lícia Manzo, que estreou no horário no nobre, a autora fala da sensação deve cumprido, depois de um imensa dedicação de quatro anos. Nem mesmo a pandemia de Covid-19, a maior crise sanitária do século, a tiraram do seu norte, e o mérito ela compartilha com todos os envolvidos.


Numa entrevista, Lícia abre o coração, faz um balanço e uma reflexão sobre seu folhetim que foi muito comentado nas redes sociais. 

Ela faz referências a Guimarães Rosa, John Cassavetes, Antonio Francisco Bonfim Lopes, que se transformou em Nem, líder do tráfico de drogas na Rocinha, e Darcy Ribeiro, mostrando o quão humana é a sua obra. Criadora de personagens que podem ser bons e maus, sem maniqueísmo, assim como qualquer um de nós, Lícia se vê na pele de cada um deles. "Eu me identifico com todos ou seria incapaz de escrevê-los. Até os mais obscuros."

Gostaríamos que fizesse um balanço da novela, a sua primeira no horário nobre, os desafios de ter gravado durante a pandemia e de fazer uma obra fechada.

Foram quatro anos de dedicação à Um Lugar ao Sol. Apenas em minha equipe tive a sorte de poder contar com a entrega e investimento de sete profissionais que respeito e admiro. Como diz a célebre canção: "se tivesse mais alma pra dar, eu daria". Um Lugar ao Sol é fruto do meu total investimento.

Com relação ao horário chamado de "nobre", o que posso dizer é que escrevi essa novela com o mesmo amor e empenho que as demais. Nunca ambicionei nenhum horário específico. Importa para mim seguir escrevendo, honrando meu ofício.

No que diz respeito à pandemia, sim, foram necessárias diversas adaptações de produção: locações, externas, crianças ou idosos em cena – muita coisa precisou ser alterada. Ainda em função da pandemia, a novela precisou ser encurtada e depois estendida. De todo modo, o comprometimento e entrega da equipe de autores, direção, técnica, elenco, não foi alterado. Graças a isso, a novela se impôs.

Observando a repercussão do público, existe alguma trama que você mudaria, caso fosse uma obra aberta?

Uma obra aberta é diferente de uma obra fechada. São modos de produção distintos. ‘Um Lugar ao Sol’ é uma obra fechada e penso que deve ser avaliada como tal.

Rebeca foi uma das personagens preferidas, tida inclusive como uma ‘nova Helena’, referência às protagonistas das tramas de Manoel Carlos, as anti-heroínas. Você acredita que muitas mulheres tenham se visto na personagem e se beneficiado com o legado deixado por ela?

Nas redes sociais, onde mantenho uma conta fechada, mulheres ou movimentos ligados a questões como envelhecimento feminino, menopausa, etarismo, replicam cenas de Rebeca com comentários e depoimentos enriquecedores. É com muito entusiasmo que assisto à criação desse fórum.

Juventude, sexo, beleza, são imperativos sociais. E a menopausa transforma ou chacoalha os três. Talvez venha daí o impulso de tentar silenciar, negar, desconhecer, o assunto.

Antes da internet, das redes sociais, do Google, com quem nossas mães conversavam a respeito? Me dói pensar em gerações e gerações de mulheres que viveram em seus corpos mudanças e transformações tão importantes em silêncio e sozinhas.

Existiu para você um núcleo preferido, ou um personagem com o qual você mais se identificasse? Se sim, qual foi e por quê?

Eu me identifico com todos ou seria incapaz de escrevê-los. Até os mais obscuros. Se tenho um tanto da sabedoria de Noca ou Ravi, tenho também a ambição torta de Christian. O eixo e a integridade de Érica, misturados com a imaturidade e falta de autoapreço de mulheres como Bárbara, Julia, Stephany.

Penso que ninguém é uma coisa só e que o ser humano é esse "mistura e manda". Acertamos e erramos, alternando momentos nobres com outros francamente baixos ou covardes. Foi Guimarães Rosa quem escreveu: "As pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas. Elas vão sempre mudando; afinam ou desafinam, verdade maior". Procuro levar essas palavras comigo quando vou escrever.

Boa parte dos personagens teve o seu lado vítima e vilão. Acha que isso os aproximou do público?

Jamais pretendi que Christian, por exemplo, fosse um herói ou um vilão. Acredito no intervalo entre as duas coisas, na complexidade e na ambivalência das pessoas. Uma de minhas referências na construção de Um Lugar ao Sol foi a biografia de Antonio Francisco Bonfim Lopes - que se transformou em Nem, líder do tráfico de drogas na Rocinha. "O Dono do Morro", escrito por Misha Grenny, narra a vida de um jovem pai, trabalhador e honesto, que, diante da grave doença de sua filha pequena, vê sua vida girar de ponta cabeça. A absoluta falta de estrutura para salvar a criança, a indigência de nosso sistema de saúde, a vida num barraco precário onde nem janela existia – tudo isso empurra Nem para o tráfico - e para a persona terrível que assumiria depois.

Não estou buscando desculpar Nem. Assim como não o satanizo. A vida me parece mais complicada, apenas isso. Idem as pessoas. Darcy Ribeiro escreveu que o Brasil é uma máquina de moer gente. Christian foi triturado por uma ambição que se confunde com a revolta mais do que legítima de se sentir socialmente excluído.

Os traumas do passado e a vida em si foram os grandes vilões de Um Lugar ao Sol?

Acredito que o homem é o lobo do homem. Cada um de nós duela consigo mesmo. John Cassavetes disse algo perfeito: "não me interessa saber como as pessoas enganam umas às outras; mas como enganam a si mesmas". Cada um é seu próprio inimigo.

Christian, devorado pela própria ambição. Nicole, incapaz de se aceitar. Rebeca, que não se permite amar Felipe e se submete a um homem como Túlio. Túlio, que infarta no trabalho, incapaz de frear sua sede de poder. Stephany, incapaz de livrar-se de Roney. Roney, repetindo a história do pai violento e abusador. Ilana, que se impede de viver seu amor por Gabriela, enfim. A lista é imensa. Mas são esses impedimentos pessoais, íntimos, que mais me interessam na hora de escrever.

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