terça-feira, 16 de abril de 2019

Teorias

Teorias da conspiração: quem escreveu as peças atribuídas a William Shakespeare?

William Shakespeare é considerado o maior autor da Língua Inglesa e até mesmo um dos maiores da literatura mundial. Apesar de ter atingido o status de ícone literário supremo, pouco se sabe sobre a figura. Ele teria nascido em Stratford-Upon-Avon, cidade ao norte de Londres, casado-se e morrido aos 52 anos, deixando 39 peças e mais de 150 sonetos. O auge de sua fama aconteceu no século XIX, quase 300 anos depois de sua morte. Foi nessa mesma época que começaram a surgir diversas teorias a respeito da verdadeira autoria dos escritos a ele atribuídos. Até hoje, elas geram dúvidas e polêmicas.

“Existem lacunas na biografia dele, mas a ideia de que existe pouca informação sobre Shakespeare é equivocada”, explica Ronaldo Marin, diretor do Instituto Shakespeare Brasil. “Talvez não seja muito para os padrões modernos, mas, naquela época, tudo o que se saiba de alguém era a data de nascimento, do casamento e da morte, porque eram as informações que a igreja registrava. No caso de Shakespeare, encontramos muito mais coisa”. Enquanto os estudiosos aceitam essas lacunas, Marin diz que os fãs tendem a buscar alguma história fantasiosa que seja capaz de preenchê-las.

A responsável por iniciar o movimento conspiratório foi Delia Bacon, uma escritora americana que propôs que as peças foram escritas por diversos autores, supostamente supervisionados por Sir Francis Bacon, filósofo influente da época. A teoria de Delia se baseava na crença de que era impossível uma só pessoa estar por trás de uma obra tão extensa e tematicamente abrangente. “Ela basicamente achava que era uma obra fantástica demais para pertencer a só uma pessoa”, comenta Ronaldo. “Mas é furado. A maior prova de que Francis Bacon não escreveu os sonetos de Shakespeare são os poemas do autor, que são horríveis.”

O impacto da autora reverberou pelos 50 anos seguintes, atingindo intelectuais influentes como Mark Twain e até mesmo Freud, um grande entusiasta do dramaturgo inglês. Uma anedota popular — ainda que não confirmada — entre estudiosos de Shakespeare é de que o famoso Complexo de Édipo ia se chamar Complexo de Hamlet, mas foi renomeado após o rebuliço causado por Delia Bacon.

A teoria mais popular, no entanto, é a que coloca Edward de Vere, 17º Lorde de Oxford, como o real autor das obras. Segundo seus defensores, os trabalhos atribuídos a Shakespeare contém diversos detalhes pessoais e códigos que indicam a verdadeira identidade de seu autor. A teoria ganhou espaço até no cinema: o filme Anônimo (“Anonymous”, 2011), dirigido por Roland Emmerich, se propõe a contar a história do Lorde de Oxford da perspectiva de que ele teria escrito em segredo os grandes trabalhos da literatura inglesa. Até mesmo atores shakespearianos — aqueles treinados formalmente pela londrina Royal Shakespeare Company —, como Vanessa Redgrave, Mark Rylance e Derek Jacobi, que faz a introdução de Anônimo, defendem a ideia de que a autoria das peças pertence a Edward de Vere.

O dramaturgo Christopher Marlowe é outro forte concorrente no campo conspiratório. Ele era um dos principais autores da cena teatral na época que Shakespeare chegou a Londres e se juntou à companhia de teatro de Lord Chamberlain, tendo exercido uma grande influência sobre a obra do novato. Marlowe morreu aos 29 anos, em 1593, em uma briga de bar. As obras mais emblemáticas — e populares — de Shakespeare surgiram depois dessa data: Romeu e Julieta (1595), Hamlet (1600) e Macbeth (1606).

Enquanto para alguns essa informação é a maior prova de que os autores são pessoas distintas, outros consideram a ausência de informações “simultâneas” sobre os dois (o sucesso de Marlowe coincide com uma época em que Shakespeare desaparece dos registros oficiais) como a maior evidência de que Shakespeare seria um mero alter ego de Marlowe. A teoria surgiu pela primeira vez em um periódico literário inglês de 1820, e também conquistou o seu lugar na telona por meio de Amantes Eternos (“Only Lovers Left Alive”), filme de 2013, dirigido por Jim Jarmusch.

Outra chave importante para explicar a proliferação de teorias da conspiração é entender o lugar que a dramaturgia ocupava na cultura da época de Shakespeare. “O teatro era considerado uma arte menor, coisa de vagabundo”, conta Marin, do Instituto Shakespeare Brasil. “Não era tão valorizado. A teoria sobre Edward de Vere, por exemplo, diz que ele era um conde que não gostava de assinar as obras por ter vergonha de produzir para o teatro.”

Mesmo essa arte sendo vista como mais baixa — especialmente por ser feita para o consumo das massas — havia uma distinção entre o status dos escritores, que eram nobres formados em Oxford e Cambridge, e dos atores, pessoas comuns sem ensino superior, que podiam até mesmo ser presas por vadiagem caso não estivessem associadas a uma grande companhia de teatro pertencente a um lorde.

Shakespeare foi uma quebra desse padrão, o que possivelmente influenciou a descrença em suas habilidades: ele era um cidadão comum, originário do interior, que começou como ator e foi, aos poucos, adentrando o mundo da escrita dramática, chegando a alcançar o posto de sócio da companhia de teatro. Não surpreende que o primeiro documento que situa o autor na capital inglesa seja um escrito de outro dramaturgo, Robert Greene, que se mostra ofendido pela ousadia do novato “faz-tudo”.

Apesar da presença constante das conspirações na cultura pop, Ronaldo Marin reitera que o embasamento de todas essas teorias é muito fraco. “Quem pesquisar irá encontrar cerca de 70 candidatos a autores das obras de Shakespeare”, explica. “Mas, entre os estudiosos, ninguém leva isso a sério.”

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