Eletrizante
"Um Lugar ao Sol", o seu novo folhetim das oito ou das nove (se preferir), tem dado o que falar. Mesmo sendo desprestigiada pela própria emissora (ao não ter sido colocada no ar um mês antes ou em meados do mês passado), e neste início começando em horários alternativos devido aos jogos da Seleção, tem tido uma audiência baixíssima, mas nem por isso, a trama escrita por Lícia Manzo, tem sido imensamente elogiada por quem esta acompanhando e tem feito sucesso no Globoplay.
Na primeira semana foram muitas emoções, não enrolaram para os gêmeos se conhecerem, o público foi bombardeado com muitas informações, para depois a autora engrenar na história que quer nos contar. Lícia não nos decepcionou de forma alguma nesses primeiros capítulos, nos mostra uma história imensamente armada com tantas possiblidades, repleta de dramas envolvendo dilemas morais e éticos.
O gêmeo que passa por cima de convenções morais e éticas para tomar o que julga ser de seu direito. A morte de Renato fez surgir das sombras o outro lado de Christian, agora em um novo Renato.
Vimos que a história do herói, com certeza, é sempre cheia de desafios. O Christian não tinha outra alternativa, assumia o lugar do irmão rico (óbvio, que também movido pela ambição), ou ele se entregava a polícia e acabava preso por envolvimento com o tráfico ou e ainda corria o risco de ser morto pela bandidagem ao descobrirem que eliminaram o cara errado.
Ravi também passa por um dilema, como o jovem negar um pedido de Christian, pois por ele que o rapaz se envolveu com os traficantes, para livrá-lo da cadeia. Christian diz o seguinte “Você sabe que eu não sou ladrão, assim como você sabe que não é nenhum pivete que roubou uma carteira“.
Como de costume, o texto Lícia é repleto de sutilezas e ironias, frases de reflexão e conversas incríveis entre os personagens, à uma direção artística de Maurício Farias luxosa.
O elenco esta muito bem, excelente interpretação de Cauã Reymond, Andreia Horta, Alinne Moraes e Marieta Severo (que sutileza em diversas cenas). Juan Paiva como Ravi vem sendo muito elogiado, o garoto provando todo seu talento, já mostrado em Malhação Viva a Diferença e Totalmente Demais.
O segundo capítulo foi exclusivamente dedicado a narrativa da “trajetória do herói”. Já terceiro capítulo se tornou antológico: os gêmeos se conhecem, passam a noite juntos, o acaba sendo suficiente para Christian (o Cauã Pobre) descobrir as informações que ira precisar para sua transformação, e Renato (o Cauã Rico) acaba assassinado.
No quarto capítulo tivemos cenas excelentes, o Christian ouvindo calado a DR de Bárbara e descobrindo detalhes sobre a relação dela com Renato e que inclusive, ela era vítima de um relacionamento conturbado, extremamente tóxico. Bárbara solta uma frase fantástica e que marca o capítulo, a moça diz o seguinte “Eu pensei que você tivesse morrido, mas a verdade é que você não morre. Você sempre reencarna na minha vida!“.
Quando vimos o discurso de Christian, se justificando para Ravi, logo lembramos às falas da memorável Maria de Fátima em Vale Tudo (1988): “O pais tá ferrado! Eu tô exausto de ser tratado mal. Isso aqui é o Brasil! Só um idiota romantiza a pobreza. Você acha que o governo tá prestando atenção em você? Se a vida nunca foi correta comigo por que eu tenho que ser correto com a vida?“.
O rapaz também se remete a outro personagem clássico das novelas, Cristiano Vilhena, de Selva de Pedra (1972), que deixa para trás a vida modesta e simples que teria com a mulher amada, Simone, seduzido pela fortuna e poder que Fernanda pode lhe proporcionar.
Não por coincidência, Um Lugar ao Sol é o nome do filme (baseado no romance de Theodore Dreiser) que inspirou Janete Clair a escrever Selva de Pedra. No filme, de 1951, o triângulo central é formado por Montgomery Clift, Shelley Winters e Elizabeth Taylor.
Vamos prestar atenção na relação entre o protagonista e Elenice (Ana Beatriz Nogueira), mãe de criação de Renato, que no passado - rejeitou Christian. Ana Beatriz Nogueira sempre ótima em viver mães problemáticas, vide Rock Story, Além do Tempo, Em Família, A Vida da Gente, Caminho das Índias e outras novelas.
Lícia Manzo usa a literatura para levar à reflexão. No primeiro capítulo, Tonico Pereira, o professor, presenteia Christian com uma edição de “Memórias Póstumas de Brás Cubas“, de Machado de Assis, e lê: “Melhor cair das nuvens que de um terceiro andar“. Complementa: “O perigo não é sonhar alto, grande, e não conseguir. O perigo é sonhar curto, medíocre e chegar lá“.
No sexto capítulo, Santiago (José de Abreu) lê para Christian/Renato um trecho de “Esaú e Jacó“, também de Machado: “Não é a ocasião que faz o ladrão. O provérbio está errado. A ocasião faz o furto. O ladrão já nasceu feito“. A cena aconteceu durante o casamento de Renato e Bárbara – a ocasião e o ladrão.
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