Assim como os torcedores costumam dizer, a história do Vasco da Gama é a mais bonita do futebol, pois é um clube que tem a luta contra o preconceito e racismo escrita em suas raízes.
O Cruz-Maltino não representa somente um clube de futebol, mas também uma parte fundamental para a evolução da discussão racial e para a inclusão de todas as classes sociais no país.
O clube tem seu nome ligado diretamente com essas lutas no início do século XX, tendo participado diretamente em algumas.
Você pode até não ter muita afinidade com o Gigante da Colina, entretanto, é preciso reconhecer a importância desse clube para a nossa história.
Fundação e nome do Vasco da Gama
Diferente de muitos clubes brasileiros, a história do Vasco da Gama não começa no futebol. Antes do século XX, o esporte do momento aqui no Brasil era remo.
O Vasco surgiu no dia 21 de agosto de 1898. O nome completo do clube já diz para qual esporte ele foi criado: Club de Regatas do Vasco da Gama.
A equipe de remo foi originada de um grupo de 63 imigrantes portugueses e luso-descendentes, o nome foi escolhido como forma de homenagear a viagem do célebre almirante à Índia, que havia completado 400 anos.
Após uma trajetória vitoriosa no remo, vencendo diversos campeonatos cariocas, um outro esporte chega ao Brasil e começa a tomar os olhares do público brasileiro.
Não demorou para o futebol se tornar um dos esportes, se não o, mais popular do país, o que acabou enfraquecendo a popularidade do remo.
Em 1913, o Botafogo FC convidou uma seleção de Lisboa para inaugurar seu estádio na Rua General Severiano. O evento motivou diversas colônias portuguesas presentes no Rio de Janeiro a fundarem seu próprio clube de futebol.
Então surgiram três clubes de descendência portuguesa, um deles, que se chamava Lusitânia, se fundiu com o Vasco, que já tinha interesse em entrar no esporte.
A fusão foi completa no dia 26 de novembro de 1915 e concretizou a chegada do Vasco da Gama ao futebol.
O primeiro clube que abriu suas portas
No momento em que o Vasco entrou para o futebol, havia uma clara separação de classes sociais. Apenas clubes que tinham membros da elite podiam jogar a “primeira divisão” do campeonato carioca.
O Gigante da Colina fez história no futebol brasileiro ao compor um elenco que era formado por jogadores de diversas classes e raças, algo extremamente incomum na época.
Era comum encontrar jogadores da classe média e baixa, brancos e negros jogando juntos no Vasco, e esse fato irritava os clubes da elite já que, para eles, o futebol era um esporte que apenas membros do alto escalão poderiam praticar.
Porém, o talento e qualidade que o elenco do Vascão possuía era extremamente atraente para o público, fazendo com que diversos cariocas se tornassem Cruz-Maltinos.
O Vasco tentou entrar na divisão de elite do campeonato carioca, mas foi recusado por não possuir um estádio. Foi aí então que a torcida vascaína mostrou sua força.
A grande massa se juntou com os jogadores e comissão para a construção do primeiro e único estádio da história do Vasco da Gama, o São Januário.
Sem dúvidas a história do Vasco da Gama é repleta de emoção e superação, o clube que abriu as portas do futebol para a população fora da elite brasileira deve ser destacado, respeitado e admirado por toda sociedade.
O Vasco, sem dúvidas, é um clube do povo.
“A história mais bonita do futebol”. A frase reafirmada inúmeras vezes enaltece o orgulho dos vascaínos em ser Clube de Regatas Vasco da Gama. Com milhões de torcedores, o clube fundado na zona suburbana da cidade do Rio de Janeiro encabeça uma das lutas mais importantes da nossa sociedade, registrada nas páginas de sua caminhada de mais de 100 anos. A representatividade dos cruzmaltinos ultrapassa as quatro linhas e atinge diretamente o debate quanto ao racismo na sociedade.
A essência do Vasco compreende as causas raciais e sociais ao longo de sua história. A partir dos relatos e acontecimentos do Século XX, chega-se à importância do movimento cruzmaltino, até a nossa sociedade contemporânea, e o que ainda falta nessa luta. Além disso, a trajetória do clube ajuda analisar os problemas pelo qual o futebol, a sociedade e os negros passaram – e ainda passam – até os dias de hoje, nos quais as lutas sociais seguem presentes no DNA vascaíno.
O princípio do “Vasco da Gama”
“Uma história tão representativa que talvez devesse ser contada até nas aulas de história do Brasil”. É assim que Cláudio Nogueira, escritor, jornalista e vascaíno, resume a trajetória do Vasco da Gama ao longo de mais de um século. “Quando a gente fala da história do Brasil, vai falar dos grandes nomes, da independência, da proclamação da república, mas não há muito desse caráter popular, no qual o futebol se insere”.
A história do Vasco se inicia num contexto de celebração, mais especificamente os 400 anos da descoberta do caminho para as Índias pelo navegador Vasco da Gama, em 1898. Nesse ano, como conta Cláudio, a colônia portuguesa do Rio de Janeiro, observando o sucesso recente dos clubes de remo, principal esporte da época, decidiu criar um para chamar de seu, que representasse Portugal no Brasil.
Entretanto, o clube nasceu com forma e visão diferentes dos demais. “Com uma proposta diferente da maioria dos times de então, que eram mais fechados e elitizados, o Vasco surge primeiro em uma região central da cidade, com bairros mais carentes dentro do Rio de Janeiro, e como clube aberto para todas as origens e cores”, ressalta o jornalista.
O futebol, que chega ao Brasil — conforme a história oficial — em 1894 com Charles Miller, ainda não fazia parte da cultura popular, mantendo-se como um esporte elitista e, majoritariamente, branco. Para o Vasco da Gama, o futebol começou da mesma forma que o clube: por conta da influência portuguesa.
Em 1913, uma excursão de um combinado português de futebol veio ao Rio de Janeiro para jogar alguns amistosos. Atuando em General Severiano, a partida entre os combinados carioca e português recebeu mais de 10 mil espectadores. Com o sucesso do duelo, a colônia da cidade, responsável pela fundação do Vasco da Gama, passou a desejar expandir-se para além do remo, que já estava consolidado na capital. A partir desse momento, o clube decide, em 1915, criar um departamento exclusivo para o futebol, iniciando a gloriosa trajetória da equipe.
Esse elitismo do futebol podia ser observado em todas as suas esferas, desde a torcida até as competições. O Campeonato Carioca, que existe desde 1906, era composto por clubes que tinham, basicamente, a mesma demografia e representatividade, de uma classe alta e branca. É o caso do America, Fluminense, Flamengo e Botafogo, potências da época. Já a torcida, como trata Claudio Nogueira, seguia a dinâmica dos clubes: “Muito elitizada, como se fosse uma peça de teatro. Homens de terno e gravata e mulheres com vestido longo e chapeuzinho, um ambiente altamente aristocrático”.
A fundação do futebol no Vasco veio na contramão de toda a estrutura desse esporte no Rio de Janeiro até então. Iniciou-se nas divisões mais inferiores e, pouco a pouco, o clube foi subindo até o mais alto escalão do futebol carioca. Em 1922, conquistou o seu primeiro título: a Série B da Primeira Divisão, que garantiu o acesso à Primeira Divisão da Liga Metropolitana de Desportos. Formado por um elenco composto por atletas negros e de classes sociais inferiores, que não eram aceitos nos grandes clubes até então, o cruzmaltino chamou a atenção da sociedade durante esse período, negativa e positivamente.
“Vindo da segunda divisão, vocês imaginam que o time seja considerado pequeno. Mas o Vasco conseguiu chegar assustando os adversários e tornando-se competitivo logo em seu primeiro ano”, conta Cláudio. Ainda em 1923, o time conseguiu romper os preconceitos de sua época, não tomando conhecimento dos seus rivais e sendo campeão, sem grandes dificuldades. Esse time, que marcou história dentro e fora do campo, ficou conhecido pela alcunha de Camisas Negras, devido à cor de seus uniformes, majoritariamente pretos com detalhes em branco, e pela composição etnográfica de seu elenco.
Entretanto, se até hoje os preconceitos fazem-se presentes no mundo do futebol e, principalmente, em nossa sociedade, na década de 1920 a situação era ainda pior. Durante o campeonato em que o Vasco sagrou-se campeão, a imprensa e a sociedade mostraram-se contrárias ao sucesso dos Camisas Negras, surgindo uma certa rejeição ao time e, principalmente, ao que ele representava para o elitismo no esporte.
“Aquela sociedade elitizada carioca rejeita o Vasco, porque ele desafiou aquela estrutura que existia, de futebol de elite, futebol das meninas e homens bem vestidos, e um esporte de cavalheiros, que falavam inglês. De repente, vem um time que sabe treinar, sem nada, com campinho alugado, então chocou muito a sociedade e os preconceitos da época”, relata Cláudio.
Com isso, os grandes clubes, na busca por manter a estrutura elitista do futebol carioca, criaram obstáculos para a entrada na liga. Isso aconteceu a partir da fundação da Associação Metropolitana dos Esportes Athleticos (AMEA), que passou a organizar e administrar o Campeonato Carioca após a cisão da Liga Metropolitana de Desportos Terrestres.
Esse movimento de ruptura partiu, principalmente, da disputa entre o amadorismo e o profissionalismo no esporte. Desta maneira, os clubes fundadores — América, Bangu, Botafogo, Flamengo e Fluminense — estipularam metas que deveriam ser cumpridas pelos clubes membros, as quais afetavam, diretamente, o Vasco da Gama.
Segundo Cláudio, esses objetivos, por mais que não estivessem expressos com essas palavras, restringiam o acesso ao esporte às elites: “Para você ingressar, teria que cumprir uma série de normas, como ter um estádio próprio e pagar uma taxa para se inscrever. Já em relação aos jogadores, eles não poderiam ser profissionais, tinham que ser amadores; se algum deles fosse militar teria que ser de alta patente, nunca poderia ser um soldado; não podiam ser analfabetos nem trabalhadores braçais ou trabalhar no comércio”.
Assim, para ingressar nesse “comitê de notáveis”, o Vasco passou a fazer diversas ações, a fim de solucionar os entraves, como a contratação de professores para a alfabetização de seus jogadores, mas as demais normas tornavam impossível o ingresso da equipe segundo a via legal. Ao mesmo tempo, o cruzmaltino, devido a suas raízes populares, crescia cada vez mais entre as camadas economicamente mais baixas da sociedade, atraindo uma importante massa de torcedores aos estádios, muito maior do que os jogos entre as elites.
“De repente, alguém que nunca tinha ido assistir a um jogo, ouviu falar que tinha um time que tinha jogador negro, pobre e que qualquer pessoa poderia participar, desde que soubesse jogar e fosse bom, então o Vasco começou a arrastar grandes massas aos estádios”, afirma Cláudio.
A AMEA, observando a importância que o Vasco já tinha para atrair esse público ao estádio, que gerava um retorno econômico expressivo para a liga, passou a retirar uma série de exigências para possibilitar o seu ingresso. No entanto, uma das medidas, e talvez a mais pesada, previa a exclusão imediata de 12 jogadores do time, que eram considerados de “condição social inferior”.
O presidente do Vasco à época, José Augusto Prestes, recusou inicialmente essas exigências, publicando o que ficou conhecido como a Resposta Histórica, em respeito às tradições do clube e aos jogadores, e permaneceu na Liga Metropolitana, que continha os clubes de menor expressão. Estava ali representado, em uma página, a posição do clube no combate à discriminação social e racial.
Com a visão fundamentada, o clube passou a determinar os seus próprios rumos. Dois anos após essa decisão, a AMEA, por conta dos impactos sociais e imposição esportiva que o Vasco trazia à competição, voltou atrás com as suas exigências e aceitou o ingresso do clube, sem ter que cumpri-las nem excluir os jogadores.
“No entanto, os questionamentos permaneceram ao redor do clube, em especial em relação à falta de um estádio próprio. O Vasco jogava sempre em campos alugados, como o do Botafogo e o do Fluminense. Para acabar com esse problema e colocar o Vasco numa posição de destaque, a diretoria da época se reuniu e criou uma campanha de arrecadação de fundos para comprar o terreno onde hoje está o estádio de São Januário, iniciando esse novo projeto do clube”, conta Cláudio Nogueira.
A construção de seu estádio foi um sucesso, ainda mais da forma que ocorreu. O clube carioca conseguiu a verba necessária em menos de um ano, sem auxílio do governo. O Vasco da Gama criou uma grande campanha de arrecadação e teve apoio de grande parte de seus torcedores e sócios. Essa ação representou a afirmação do Vasco da Gama no cenário nacional, apesar dos preconceitos e do racismo. De um clube pequeno e humilde do subúrbio, ele passou a integrar a elite esportiva, mantendo vivas as suas raízes e, naquele momento, com o maior estádio do Brasil e da América do Sul.
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