segunda-feira, 31 de maio de 2021

O melhor folhetim infantil

 https://web.archive.org/web/20121011155728/http://veja.abril.com.br/101297/p_146.html

Guia do orfanato

O folhetim era um fenômeno logo de cara, em quatro meses,  a novela ocupa o segundo lugar no ibope, com uma média de 17 pontos e provocando brigas familiares por avançar no horário da novela das 8. Os pais brasileiros começaram a tomar conhecimento da existência de Chiquititas quando suas filhas na idade entre 4 e 14 anos começaram a substituir, nas festas familiares, a dança da garrafa pelas coreografias muito bem-comportadas da novela. Mais tarde, passaram a pedir o CD com as músicas da série  que já vendeu 800.000 cópias, sendo o disco infantil mais vendido do ano, a léguas de distância do segundo colocado, o de Angélica, com 300.000. Depois, foram as revistas especializadas que lançaram edições especiais sobre a novela. 

Numa matéria em novembro de 1997, a revista Veja trouxe um pequeno guia sobre a trama.

De onde vieram essas tais Chiquititas?

A novela surgiu na Argentina e deu tão certo que se aponta o próprio Gustavo Yanklevich, diretor da Telefé, a maior emissora do país, e sua mulher, Cris Moreno, como o pai e a mãe da idéia original. "Ele queria uma história de orfanato parecida com o filme Annie, de John Huston, e que fosse diferente de tudo o que tinha na TV", diz um dos autores, Gustavo Barrios, que escreveu uma história igualzinha a tudo o que se vê na TV. Na Argentina a novela é um sucesso desde 1994  já está na sua terceira fase e é exibida de segunda a sexta, das 6 às 6 e meia da tarde. Chiquititas, em espanhol, significa "pequeninas". Silvio Santos pensou em traduzir o nome, mas achou que o título em castelhano teria mais apelo. Acertou.


A novela que passa no Brasil é igual à que está em cartaz na Argentina?

É praticamente igual. Os textos originais são traduzidos pela roteirista Ecila Pedroso, uma brasileira que se mudou para a Argentina especialmente para isso. A única adaptação que a roteirista fez foi a inclusão dos Chiquititos logo na primeira fase  na série argentina, só entraram na segunda. Ecila também incluiu gírias como "sai fora", "tô legal", "sai dessa" e assim por diante. "O texto argentino é muito formal", diz ela. Uma curiosidade é que não foram feitas muitas adaptações. As meninas de Chiquititas adoram ir a parques e praças tomar sorvete e comer pipoca. Como se sabe, parques e praças são típicos de Buenos Aires, mas raros nas grandes metrópoles brasileiras  onde uma grande parte das crianças de classe média vive em condomínios.


Quem faz a novela?

Chiquititas não é gravada na Argentina porque ali os custos são mais baixos, mas porque é um produto de exportação da Telefé, que confecciona a novela em todas as suas etapas para vendê-la, pronta e acabada, ao SBT de Silvio Santos, cobrando 60.000 reais cada capítulo. Os cenários são parecidos com os da versão argentina, mas as atrizes são brasileiras. Para escolher as crianças foi feito um concurso no Brasil, do qual participaram 1.700 meninas e meninos. O elenco, atualmente, inclui dezessete crianças. Todas se mudaram para Buenos Aires no início das gravações, em junho, e ali vivem com um acompanhante (geralmente a mãe), em apartamento de dois quartos com empregada. Aprenderam espanhol e estudam todos os dias numa escola argentina. Saem da aula às 12 horas e vão de ônibus para os estúdios da Telefé, onde enfrentam jornadas duras, de nove horas por dia  pela lei argentina, menores de idade só podem trabalhar até seis horas. O maior salário é de Flávia Monteiro, de 10.000 reais. O menor é das crianças, que recebem 1.500 reais e 3.000 de ajuda de custo.


Por que a trama se passa num orfanato?

Porque essa é uma fórmula quase infalível de sucesso. "O maior medo que meninos e meninas têm é ser abandonados, ficar longe dos pais", teoriza o apresentador Gugu Liberato. O orfanato de Chiquititas é bastante diferente daquele onde viviam os personagens de Charles Dickens, o escritor inglês que criou os mais tenebrosos ambientes para crianças sem pai nem mãe. Todos podem sair à hora que querem e alguns até estudam fora  não é um colégio interno. As cenas internas são gravadas em Buenos Aires, mas as principais externas são feitas em São Paulo.


Como é a história?

A personagem principal é uma garota chamada Mili (Fernanda Souza), a líder da turma. Ela pensa que é órfã, mas na verdade é neta de um grande empresário, José Ricardo (Rogério Márcico). Sem querer admitir que a própria filha teve um romance com um empregado, José Ricardo constrói o orfanato para abrigar a neta. O enredo gira em torno das peripécias das crianças, cada uma com uma característica específica. Mili, por exemplo, é a líder, que resolve todas as encrencas. Vivi (Renata del Bianco) é a faceira, que vive paquerando os "chiquititos". Tati (Ana Olívia) é a travessa, sempre se mete em embrulhadas. Bia (Gisele Frade) é a malvada, que entrega as colegas. Já Cris (Francis Helena) é a mais romântica.


Como toda novela para crianças, Chiquititas também tem uma professora?

Não, mas tem algo parecido. A personagem Carolina (Flávia Monteiro) é uma inspiração mexicana, saída da professorinha Helena, de Carrossel. Ela faz uma assistente social que adora crianças e vai sempre ao orfanato. Na próxima fase, será a diretora do estabelecimento, para a alegria de todos. No momento, cuida da personagem Dani (Gisele Medeiros), que corre o risco de ficar paraplégica.


Para que serve a bruxa?

A personagem Ernestina, interpretada pela ótima atriz Magali Biff, é a zeladora do orfanato e dá medo nas crianças  entre outras coisas, cria aranhas no quarto. "As bruxas representam o mal que todos nós temos", teoriza a professora de literatura infanto-juvenil da Universidade de São Paulo Maria Lúcia Góes. A bruxa mãe é a fundadora do orfanato Carmen (Débora Olivieri). Carmen não é uma bruxa típica, mas nos sonhos das crianças  e nos videoclipes da novela  seus figurinos têm elementos da mãe de todas as bruxas  aquela do nariz com verruga na ponta em Branca de Neve.


Por que as crianças sempre fogem dos orfanatos de novela?

Para que a trama tenha ação. Dois dos chiquititos, o Rafa (Felipe Chammas) e o Binho (Luan Ferreira), ouviram um boato de que a "bruxa" Ernestina iria tomar o poder e resolveram fugir. Roubaram dinheiro do cozinheiro e acabaram sendo assaltados por mascarados. Mili também fugiu num capítulo em que achou que, ao fazer 13 anos, seria expulsa do orfanato. Fugas são comuns em histórias infantis e fazem a delícia de psicólogos. Como diz Lídia Aratangy, "toda criança já sonhou alguma vez em fugir. É o desejo de evasão. Essa a razão do sucesso de histórias como Peter Pan, que foge da própria realidade para ir para a Terra do Nunca".


Os programas de Xuxa e Angélica estimulam o consumo vendendo bonecas, roupas e muitos brinquedos. Por que Chiquititas faz menos comércio?

Porque ainda não deu tempo. Por enquanto, o único produto anunciado na série é o CD, divulgado sem maiores pudores. Todo programa traz pelo menos um videoclipe de uma das dez músicas do disco, que não diferem muito das de Xuxa ou Angélica  falam de Deus, amigos, sonhos e bruxaria. Todas as músicas foram compostas por Cris Moreno, mulher do dono da Telefé argentina, e Carlos Nilson e vertidas para o português por Caion Gadia, diretor musical do SBT.


Mas não há nenhuma moda Chiquititas?

As meninas usam maria-chiquinha inspirada em filmes como A Noviça Rebelde e O Mágico de Oz  a cantora Judy Garland já não era chiquitita nem em Hollywood quando usou esse expediente para parecer criança. As roupas são todas iguais  uniformes com motivo xadrez, cujas saias são abaixo do joelho, idênticos aos uniformes escolares argentinos. Por enquanto, não há nenhuma loja brasileira vendendo produtos licenciados com a marca Chiquititas. Apenas algumas confecções de São Paulo vendem conjuntos iguais aos das personagens da novela, ao preço de 50 reais  mas são produções piratas. Na Argentina, há gorros de lã, cosméticos, alimentos, mochilas, roupas e até uma revista em quadrinhos, com tiragem de 90.000 exemplares quinzenais. A Telefé pretende licenciar esses produtos também para o Brasil. Segundo os cálculos da emissora, no mercado brasileiro é possível faturar o triplo.


Como são as coreografias da novela?

Segundo a coreógrafa argentina Marisa Divito, autora de todas as danças de Chiquititas  são mais de doze , são todas inspiradas nos antigos musicais americanos, nos passos de Gene Kelly, Donald O'Connor e Fred Astaire. "É o mesmo princípio do sapateado, só que muito mais fácil, para que as crianças possam executar", explica ela. Sua preocupação é criar coreografias mais femininas para as garotas e mais acrobáticas para os rapazes. Não há nenhum passo lascivo ou libidinoso como a dança da garrafa.


Com suas microssaias, Xuxa e Angélica são acusadas de estimular a sexualização precoce das crianças. Há algo parecido em Chiquititas?

Existem namoros, incluindo beijinhos na boca, entre crianças na faixa dos 13 anos. Mas nada que se compare ao que fazem ídolos infantis como Carla Perez. Para Lídia Aratangy, os namoros entre crianças em Chiquititas não atrapalham, isoladamente, a formação das crianças. "O problema é que isso se soma ao bombardeio erótico dos meios de comunicação, que imerge a criança, à força, no universo sexual", diz ela. "Isso estressa a criança, por colocá-la em contato com uma questão que só entraria em sua vida bem mais tarde."


E racismo? Como a novela trata os negros?

Em Chiquititas existe uma garota mestiça, Dani (Gisele Medeiros). Mas ela não sofre sistematicamente como o Cirilo de Carrossel, que não conseguia namorar ninguém por causa da cor. Há algumas semanas, no entanto, a "professorinha" Carolina, que queria adotar a Dani, ficou em dúvida entre ela e Maria (Carla Dias). Enciumada, Dani falou para Maria que Carolina gostava mais dela porque era loira.


Os pais podem sentir algum prazer assistindo a Chiquititas?

Nunca. Mas é possível ficar muito contente em companhia dos filhos, ajudando-os com suas dúvidas e temores. O máximo que se pode dizer da novela é que ela é um pouquinho menos ruim do que outras. Conforme explica o diretor da TV Bandeirantes Rubens Furtado, existem sutis diferenças entre os dramalhões mexicanos, venezuelanos e argentinos. Nos mexicanos, há poucos cenários, figurinos fora de moda e poucas histórias paralelas. Os venezuelanos, muito exibidos pelos canais latinos dos Estados Unidos, são até mais baratos, mas trazem histórias mais intrincadas e mais cenas externas. Os argentinos também trazem histórias fracas, mas o rigor técnico e os vestuários são melhores. "O argentino é chato mas é elegante", resume Furtado.


Um dramalhão argentino do SBT não é mais bobo do que as novelas realistas da Globo?

Você decide. Fala-se mal dos dramalhões porque eles dividem o mundo em bons e maus, em mocinhos e bandidos, e a realidade não é assim. Talvez você prefira novelas com sexo e violência, em que todo mundo é um pouco bandido e um pouco mocinho. Nesse caso ninguém sabe onde fica a fronteira entre o certo e o errado, e é ruim imaginar as crianças crescendo e pensando o mundo desse jeito.

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